Estive na última sexta feira, 25 de abril, no Babican Hall em Londres para apreciar o que há de mais interessante no jazz contemporâneo: Wayne Shorter Quartet.
O Barbican é um espetáculo a parte, a estrutura do complexo é impressionante e o Hall (onde rolou o som) é belíssimo, muito confortável (até para um cara de 1,95m) e o mais importante: uma acústica incrível! Que som!
Wayne Shorter subiu no palco às 20h30 após 30min do bom Tom Cawley Trio. O show em sí pode ser dividido em 3 partes. Foi um primeiro set de 1h, um segundo de 35 minutos e o bis de 10 minutos. Detalhe, cada set foi ininterrupto, o som não parou em nenhum momento.
A primeira hora foi com o Shorter no Tenor, indo utilizar o soprano apenas no final para detonar com um solo magistral. A música foi se desenvolvendo como uma longa improvisação coletiva sem nenhum dos quatro músicos ocupar mais espaços que o necessário, todos estavam realmente tocando para o som. O ouvido mais atento, porém, revelava as formas que estavam sendo seguidas, além das citações de vários temas compostos pelo saxofonista (Go, Sanctuary, etc). É muito interessante como ele fragmenta os temas e os desconstrói coletivamente. O trabalho do trio que o acompanha é fabuloso. Danilo Perez é dono de uma sonoridade linda e está sempre se arriscando nas suas intervenções, com armações de acordes muito bem escolhidas e usando constantemente de frases curtas e marcadas. John Patitucci na sua melhor forma participa na linha de frente, para quem está acostumado a ouvi-lo no contrabaixo elétrico precisa descobri-lo no acústico onde ele revela uma sonoridade e musicalidade mais profunda. Brian Blade é possivelmente o baterista que está desenvolvendo um trabalho mais criativo e tem trazido mais coisas novas para o seu instrumento. O tempo todo se arriscando, surpreendendo, trabalhando as dinâmicas, sem se preocupar em “marcar” o ritmo, mas em compor e somar o som que está sendo criado. Algumas horas ele se arriscou tanto que bateu aquele medo dele colocar tudo por água abaixo, mas então ele sacava um coelho da cartola e era só golaço. A primeira nota foi um assobio em Bb o Shorter, a partir daí se desenvolveu a música toda. É interessante observar que tanto o Danilo Perez quanto o John Patitucci tem uma série de partes escritas: ostinatos, acordes, linhas. Porém o entrosamento e a vibração do grupo é tanta que tudo soa de uma forma muito livre e espontânea. O Wayne Shorter estava um pouco cansado, em vários momento se apoiando no piano, isso, entretanto, não o impedia de estar sempre “regendo” o grupo, fosse com olhares ou sinais visuais ou, sobretudo, sonoros. Algumas intervenções dele soaram como se fosse: “Vamos tentar esse outro caminho agora” e o grupo virava e seguia por esse novo caminho, descobrindo o seu percurso. A interação demonstrada era tamanha que na maior parte do show não aparecia um solista em destaque(como usual no jazz). Apenas no final dessa primeira parte é que Shorter pegou o soprano e emendou um solo espetacular encerrando a primeira hora do concerto sendo em seguida aplaudido de pé por todo o teatro.
O segundo set, de 35 minutos, começou com o tema de “Adventures Abroad the Golden Man” sendo tocado em assobios por Danilo Perez acompanhado por um ostinato de John Patitucci e sons afro tirados por Brian Blade da bateria, Wayne Shorter então resolveu participar da festa e fez um belíssimo contraponto ao tema também com assobios. SENCACIONAL!!! Um momento cômico foi quando Shorter pareceu indeciso em relação a qual instrumento tocar e ficou trocando de instrumento por umas 5 ou 6 vezes, então olhou para platéia e abriu os braços sorrindo como quem diz: “que passa?”. Ao final novamente ele destruiu no soprano sendo novamente muito aplaudido.
O bis foi o tema High Life, reconstruído e desenvolvido como se fosse uma peça erudita, foi muito interessante essa peça, uma verdadeira aula. Um clima nostálgico belíssimo foi sendo construído pelo músicos que sorriam o tempo todo e estavam muito cientes e convictos do som que estavam criando. Muito emocionante.
É muito bom ver um grupo fazer música de altíssimo nível sem precisar de firulas ou “estratégias de marketing”, falatórios ou estripulias desnecessárias. Tocar era o que importava. Criar estava acima de tudo. Um respeito enorme entre os músicos sem egos sobressaindo no palco, sem aquela história do “chefe” tocar mais que os outros era o que imperava no palco. Era o som, e apenas isso. A música agradece.
Fred Lyra, músico
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